"O bom é ser inteligente e não entender. É uma bênção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."
Clarice Lispector

janeiro 11, 2011

Má Notícia

     Acordei com um gosto cinza de horror . Meio desnorteada, observei a manhã pela fresta da janela e constatei-me viva. Mortos não devem ter janelas tão feias. Tanto faz meu corpo, minha alma ficaria feliz com a oportunidade de uma morte temporária. Não que fosse insuportável o peso que a noite anterior trouxera para minhas pálpebras, mas pressentia que não me encontrava no corpo como na manhã do ontem.
   Estava outra, olhos estranhos no espelho, calma com ar provisório, sorriso impotente. Olhei-me no espelho, olhei-me no espelho, olhei-me no espelho...Como se nada mais houvesse a fazer além disso, ou meus pés fossem inúteis, ou não houvesse chão para andar, aonde ir. Ainda não sabia, neste momento, que seria esmagada pelo dia, que as horas passariam por mim com um sorriso de deboche e indiferença. Voltei para a cama e fui para o dia inteiro. Não pensei na dor e nem fugi da agonia, congelada numa coisa sem nome, num estupor que tinha o som estridente e lúcido de uma campainha de telefone. E a notícia viera como um machado a me rachar a testa . Depois das perguntas simultâneas espremendo o meu espírito, o que veio foi uma súbita morte pelas caladas, aquela sorrateira dos que ainda se julgam vivos, e seguem na ilusão incoerente de que, se o corpo anda há vida. Tanto faz. Na manhã seguinte ainda estaria na cama, respirando, mas aquela vida, aquela , jamais se levantaria dali.

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